PAISANOS EM PROSA IX - LUCAS MOREIRA

Fiquei sabendo pelo jornal que um cara tinha feito um filme de terror trash em São Leopoldo. Li, neste texto, algumas frases sobre grana do próprio bolso e carne estragada de açougue e não precisei muito mais pra virar fã do cara mesmo sem saber sobre o que se tratava. Decididamente, uma pessoa que resolve bancar uma produção cinematográfica aqui na cidade tem meu apreço antecipadamente, pensei.

Não demorou muito e nos encontramos na primeira reunião de um pretenso clube de cinema leopoldense. Não deu outra: o 'piá' é determinado pra caramba, além de ser um prazeroso interlocutor.

Não acredita que um diretor de trash movie pode ser simpático e gente fina? Então confere aí:

LUCAS MOREIRA
19 anos
Cineasta ( segundo o próprio: bem, eu to ganhando pra fazer um documentário, será que dá pra me chamar de cineasta dai? hehe )



SOLO - O que, a cada dia, te faz levantar da cama? Quais tuas motivações atuais?

LUCAS - Cara, eu preciso terminar os filmes, é isso que me dá motivação, eu não vejo a hora de concluír e lançar eles, a partir do momento que começamos a fazer um filme eu fico um bocado inseguro se ele vai chegar até o final mesmo, se vai dar tudo certo, e agora o que eu mais quero é ver as imagens juntas e assistir o filme mesmo. É uma coisa que está incompleta e eu tenho que completá-la.


SOLO - De onde vem esta necessidade? É o prazer do trabalho pronto ou a grana só entra depois da finalização ( hehehe )?

LUCAS - Não, não, na verdade esses que eu falei - os que já estão gravados e só falta edição/finalização - são projetos pessoais mesmo, é mesmo pela vontade de ver eles prontos e de mostrar para as pessoas. Até porque até agora eu não consegui passar uma boa e clara imagem do meu trabalho para as pessoas (porque o "Massacre Cirúrgico" foi feito em péssimas condições). eu diria que este novo filme, o "Onde As Coisas Cruéis Vivem" é o meu primeiro filme, porque foi levado mais a sério, o outro foi uma ( divertida) brincadeira com câmera VHS, coisa que normalmente crianças fazem, mas eu só tive acesso aos 17 anos.


SOLO - Quando tu caiste nesta vida de querer filmar? O que te motivou a produzir um filme?

LUCAS - Bah isso vem de muito tempo, remete ao tempo que eu era um espermatozóide até, eu me lembro de aos 6/7 vendo muitos filmes já ( em especial de terror até, as atendentes até deixavam eu entrar dentro da locadora e revirava as prateleiras), aos 8 eu já me lembro de desenhar filmes (tipo um storybord, ainda que só fizesse sentido na minha cabeça) e de pelos 9 meu pai me levar numa sala de projeção. Só que até ai eu sabia que gostava muito de filmes, mas nunca imaginei fazer filmes, acho que isso foi mais por diversão e nessa brincadeira que eu fui percebendo que era possível ir fazendo mais e mais coisas.


SOLO - E como foi esta primeira "brincadeira"? Como começou e como foi o processo? Foi o Massacre?

LUCAS - Começou no momento em que as ferramentas me cairam nas mãos: quando eu tinha só o computador comecei a fazer animações em flash; depois quando comprei uma web cam de merda eu comecei a gravar animações em stop motion; e depois quando ganhei a câmera VHS fiz o Massacre.


SOLO - AH Lucas! Falando assim parece que é só pegar uma VHS e fazer filme. E provavelmente não seja assim. Conta aí como se desenrolaram as coisas desde o momento que tu falaste quero fazer o Massacre até o momento da finalização. Como foi conseguir elenco, técnica, construir a história, fazer o sangue jorrar, estas coisas...

LUCAS - Foi bem foda, porque nós sabiamos basicamente o que queriamos mas não sabiamos como fazer nada, tudo era uma grande experiência. A história eu nunca me aventurei a fazer nada que não passasse de básico: uma desculpa qualquer para as cenas de terror. Acho que é por isso que vários cineastas começam a fazer filmes através do terror, porque certo que eles se divertirão fazendo assim como assistindo. Mas as vezes pode ser um inferno, tanto que levamos 2 anos, porque tinhamos que pensar em como diabos iamos fazer aquelas cenas, testar as maquiagens, comprar produtos... os atores foram amigos sendo chamados, ou amigos de amigos, e ninguém ali sabia de nada, era tudo muito perdido. Eu sabia que estava incapaz de escrever uma boa história e de fazer uma boa edição (porque a qualidade do material VHS era sofrível) então eu queria que ao menos a direção, a minha area, fosse mais trabalhada, é por isso que decidi colocar experimentos no filme: ele é dividido em parte preto e branco parte colorido, ele tem um intervalo no meio, ele tem uma endoscopia real... pelo menos a direção salvaria ele de ser mais um filme de terror independente, porque é a maioria das pessoas nunca viu um filme metade preto e branco, a maioria nunca viu um filme com intervalo, estas coisas são de outros gêneros que não o terror e de filmes muito antigos (intervalo é coisa dos anos 50 né..), então pensava que isso seria novo para eles.


SOLO - Então além do divertimento e satisfação pessoal, tu te preocupas com o diálogo com um suposto publico? Que outros sentidos tu tens dado e tens descoberto nesta lida com o áudio-visual?

LUCAS - Não, eu penso em fazer o filme como eu quero, espero que gostem mas realmente eu não posso querer isso porque eu sei que meu gosto é difícil. Acho que as pessoas querem que todo filme seja bom como se isso fosse uma obrigação, não acho que um filme tenha obrigação de ser bom, um filme não tem obrigação de nada, um diretor pode colocar na cabeça "vou fazer um filme ruim, vou fazer uma coisa louca" e é isso ai, quando um cara decide colocar um intervalo de 1 minuto no meio do filme ele sabe que muita gente vai detestar, mas eu tenho que experimentar aquilo. Eu tenho é uma puta vontade de experimentar cinema de outras formas, por exemplo, agora estamos fazendo um filme chamado "Escombros" sem ator, sem diálogos, sem nada, só paredes. Eu e o Bruno (Fogaça) saimos por ai filmando paredes. Ninguém vai exibir isso em lugar nenhum, eu não vou vender dvd disso e é provável que ninguém assista até o final. Só a minha mãe, porque ela é minha mãe. É uma idéia loca, mas tem ficado bem bonito.


SOLO - Pô! Mãe entra em cada roubada, né?

LUCAS - Se entra, eu sempre digo que ela deveria amaldiçoar por eu gostar de cinema, por que é difícil gostar de outra coisa depois.


SOLO - Lucas, quais são tuas referências cinematográficas? Me dá uma situada sobre o que tu gostas e o que tu abominas no cinema...

LUCAS - Bom, eu não sou especializado em um gênero do cinema, nunca consegui, tipo tem gente que só gosta de um tipo, eu não poderia ser assim, excluir uma parte do cinema. Isso só me ferra porque eu tenho mais filmes pra ver ainda. Mas realmente eu vejo tudo que é tipo e aceito eles como são, dos filmes mais comerciais como "Transformers" aos dramas do Abbas Kiarostami (que eu tenho que ver mais). Eu não consigo ter discriminação com cinema mesmo, eu até saio por ai as vezes falando mal de alguns filmes, mas é tudo mentira, se me convidar pra qualquer filme eu vou feliz.
Mas deixa eu citar alguns aqui pra responder tua pergunta, deixa eu pensar, isso é foda.


SOLO - Oquei. Eu espero.

LUCAS - ( um tempo depois ) É, eu não consigo, vou dizer uns bons que vi recentemente, "Twentynine Palms" Bruno Dumont (muito foda, é uma mistura de drama francês com horror americano), "Two-Lane Blacktop" de Monte Hellman (ótimo mas pouco conhecido filme do anos 70), qualquer filme de Takashi Miike e esse ano teve "Sangue Negro" do Paul Thomas Anderson que me deixou embasbacado. Foi mal, eu sou péssimo nisso, mas pode alterar minhas palavras como quiser (e concertar os possíveis erros de português) hehehe(*)


SOLO - Cara! E São Leopoldo? Como tu vês esta cidade? Ela te interessa dentro da tua arte? E como tu vês a arte feita aqui? Existe uma cultura leopoldense?

LUCAS - Eu não tenho do que reclamar, a cidade tem ajudado bastante. Ela me interessou muito nos meus projetos até agora, fiz 2 filmes aqui, estamos fazendo 2 documentários e fora a loucura das paredes, então acho que já explorei bastante aqui, talvez agora vá filmar em outros lugares, não sei. Eu acho que não tem muito filme sendo feito aqui mas eu consigo ver claramente os motivos também. É difícil de se fazer um filme, e até que se comece a fazer parece um bocado impossível até. Fora que ver filmes aqui também é difícil.


SOLO - Tu saberias apontar as causas desta dificuldade toda?

LUCAS - Acho que muita gente quer ter um filme mas poucos acabam indo mesmo e fazendo. Talvez as pessoas se interessem mais em ficar no computador, em tocar numa banda, eu não sei. O cinema de shopping se dedica quase que 100% a cinema comercial... mas o público gosta deste cinema comercial... Talvez tudo que precise seja a vontade, seja convidar um amigo para fazer um filme... To patinando aqui, mas acho que essa última frase define bem, não quero ficar reclamando de falta de verba e etc, no fundo acho que o cinema pode ser feito por meios mais simples, eu pelo menos estou fazendo assim.



SOLO - Como foi trabalhar com a lenda viva: Freddy Krug... digo... com o BIBA?

LUCAS - É uma aula de vida todos os dias. As vezes ele ultrapassa a linha da sanidade e vai falando, em vários momentos a bateria e DVD da câmera já se acabaram e ele continua falando, isso fez toda a equipe se afastar hehehe, só sobrou eu. Quando encontrei ele pela primeira vez ele disse que já tinha estado na música, nos textos e na pintura, e só o que faltava era estar no cinema, espero ter contribuido pra isso. Tem muito material já, dava pra fazer um épico de 5 horas ou um seriado. Mas ele sempre tem novas idéias e sempre quer falar, ele se dá bem com a câmera. E ele riu muito da compração com o Freddy Krugger.


SOLO - Quais são teus filmes até agora? Quais os projetos novos? Onde encontrar teus trabalhos?

LUCAS - Filmes nós temos prontos 2: o "Massacre Cirúrgico" que é meu e o "Rottina" do Rodrigo Pedroso. Já outros curtas, animações, entrevistas e trailers dos futuros projetos estão todos no Youtube da produtora. E em criação está o meu novo filme "Onde As Coisas Cruéis Vivem" que acabamos a filmagem essa semana e agora entra pra edição, o "Escombros" que comecei as filmagens essa semana, o documentário do Biba que ninguém sabe quando vai terminar... e estou fazendo com a Makbo, em parceria com o Giovani Paim um trabalho com várias bandas de São Leopoldo, que já está em produção.


SOLO - Lucas, pra finalizar, o espaço é teu. Falaí o que faltou falar... No mais, grande abraço e obrigado pela entrevista. Sucesso, sempre!

LUCAS - Cara, rodou três vezes aqui durante a entrevista "News of The World" do Queen, que é um grande album. Obrigado por me chamar e a todo pessoal que ajudou no desenvolvimento dos filmes e para quem apoiou algo bizarro como o "Massacre Cirúrgico". Espero que gostem dos próximos filmes. Abração cara, valeu mesmo!


N.P.: mais coisa sobre o Lucas aqui: http://ondeascoisascrueisvivem.blogspot.com/

-= THE END =-


(*) as entrevistas do PAISANOS são feitas por MSN e eu mantenho o original que o entrevistado me envia, com raras correções.

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